sexta-feira, 15 de junho de 2012

A rede, a vara, o peixe

Acesso à internet e conhecimentos para lidar com os portais de educação são fundamentais para que a população possa usufruir da vasta quantidade de materiais didáticos disponíveis

Por Carolina Toneloto

"Ensinar a pescar é muito mais pedagógico do que dar o peixe", mostrou o educador e filósofo brasileiro Paulo Freire. Para que a festejada proposta do uso das TICs (Tecnologias da Informação e da Comunicação) na educação brasileira seja viabilizada, o acesso a computadores conectados à internet deve ser garantido a estudantes, a professores e a todos os envolvidos nesse processo. Mas não se trata somente disso. "O acesso às TICs pode ajudar, e muito, num processo de transformação da educação. Porém, simplesmente promover o acesso não resolverá todos os problemas. Como em todas as inovações educacionais, é preciso um pensamento sistêmico envolvendo recursos, formação, estruturas, políticas públicas, entre outros fatores", afirma Tel Amiel, pesquisador do Núcleo de Informática Aplicada à Educação (NIED) da Unicamp.

A recém-divulgada pesquisa TIC Domicílios e Usuários 2011, feita pelo Centro de Estudos sobre as Tecnologias da Informação e da Comunicação (CETIC.br), órgão que integra o Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br), apontou que 38% dos domicílios do país possuem acesso à internet e, em 45% das casas, há pelo menos um computador. Em média, há um tablet (tipo de computador portátil, geralmente com tela sensível ao toque) a cada 100 domicílios, sendo que, entre os membros da classe A, 10% possuem um destes equipamentos.

Outra pesquisa recente, o Mapa da Inclusão Digital, realizada pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) e Fundação Telefônica, indicou que as 20 cidades brasileiras com mais computadores conectados à internet situam-se nos Estados do Sul, Sudeste e Distrito Federal. As 20 cidades menos conectadas pertencem aos Estados do Maranhão e do Piauí. Entre estas, 18 não possuem acesso à internet.

Apesar do cenário de crescente acesso da população brasileira às TICs, a relação entre tecnologias e educação é mais complexa e não se resume aos números. "As TICs são ferramentas úteis, mas não resolvem, sozinhas, os problemas da educação num país como o Brasil. O que precisamos é desenvolver o gosto pela educação e pela cultura", analisa Carmem Maia, jornalista e pós-doutora pela London Knowledge Lab da Universidade de Londres.

Acesso às TICs nas escolas públicas

Dados da Pesquisa sobre o uso das Tecnologias da Informação e da Comunicação nas escolas brasileiras 2010 (TICs Educação 2010), realizada pelo CETIC.br, mostram que 93% das escolas públicas urbanas do Brasil têm computador com acesso à internet, 87% delas com banda larga. "Temos acesso à internet, mas não sabemos fazer pesquisa, muito menos na rede. Não é problema de ferramenta ou de acesso. Falta vontade de aprender por prazer. e não por obrigação", analisa Carmem Maia.

A pesquisa TICs Educação 2010 aponta ainda que apenas 4% das escolas possuem computadores instalados nas salas de aula, porcentagem que sobe para bibliotecas ou salas de estudos para os alunos (38%), salas dos professores ou sala de reuniões (58%), laboratórios de informática (81%) e salas do coordenador ou diretor (88%).

Cultura Digital

Mais importante que o domínio instrumental de ferramentas e sistemas parece ser o desenvolvimento, entre os alunos, de uma 'fluência tecnológica'. "São competências necessárias para usar as TICs de modo a atingir objetivos pessoais ou sociais. Um alto nível de fluência tecnológica permite o uso confortável das tecnologias existentes e a habilidade para a utilização de novidades tecnológicas com certa desenvoltura", explica Amiel. "Em uma cultura digital, as pessoas não são apenas usuárias, mas também produzem, colaboram e interagem em projetos comuns, usando o espaço digital", esclarece.

Na construção da cultura digital, a inclusão dos educadores é fundamental. "Os professores precisam de tempo livre para pesquisar, buscar o que está sendo oferecido pela internet e preparar suas aulas", afirma Carmem Maia. O estudo TICs Educação 2010 realça que, entre os professores da Educação Básica (Educação Infantil, Ensino Fundamental I, Ensino Fundamental II e Ensino Médio) que usam internet na sala de aula, 24% conduzem aulas expositivas, 23% fazem exercícios para prática e fixação de conteúdo e 23% propõem interpretação de textos. Apesar da maioria (90%) possuir um computador e 81% acessarem a internet em suas casas, 64% dos professores consideram que os alunos sabem mais sobre o uso do computador e da internet do que eles.

Na rede

Muitos materiais didáticos disponíveis na internet são escritos em inglês e têm foco no ensino superior. Um exemplo é o iTunes U, um programa de aplicativos da Apple que disponibiliza aulas - muitas gratuitas - de universidades do mundo inteiro. Segundo Amiel, uma das conclusões do Fórum Latino-Americano de Políticas em Recursos Educacionais Abertos realizado pela Unesco, no Rio de Janeiro, em março deste ano, foi que, "no Brasil, ainda traduzimos muito e produzimos pouco".

"Não me parece evidente que a qualidade do conteúdo esteja ligada diretamente ao nível de financiamento. Muito conteúdo produzido por grandes instituições, como universidades, tem rigor, mas pouca qualidade didática ou valor de produção - uma crítica normalmente direcionada aos produtores amadores. Ademais, as grandes instituições ainda não divulgam abertamente muito do que produzem", complementa o pesquisador.

Para Amiel, as múltiplas necessidades da educação brasileira poderiam ser atendidas pelos diferentes usos das TICs na educação por meio de grupos de estudos e de interesses comuns, do estímulo à produção de recursos para além das universidades e editoras, e do estímulo às inter-relações entre escolas e grupos culturais informais. Carmem Maia complementa: "a aprendizagem tem de ser prazerosa e o aluno precisa gostar de aprender e querer saber mais".

Futuro

Atualmente, há mais de 20 programas governamentais federais destinados a promover a inclusão digital no país, com propostas, conteúdos e públicos-alvos específicos. No entanto, em relação ao uso das tecnologias na educação básica, o cenário não é animador. "Somos reféns de políticas que se focam nos dispositivos, discutem infraestrutura e dependem de modelos de formação continuada. Geralmente tais projetos se limitam aos dispositivos, e falham em outros itens durante a sua execução. Não são feitas avaliações sérias de resultado e de processo sobre os grandes projetos envolvendo TICs no ensino básico, e a discussão em torno das TICs na educação ainda se encontra ausente dos cursos de formação inicial docente", analisa Amiel. "Muitos insistem que a transformação da escola - qualquer que seja a direção dessa transformação - se dará por conta da integração das TICs na educação. Eu acho que devemos ser mais céticos quanto a este dogma, mas isso não impede que continuemos vendo usos emergentes e inspiradores das TICs de maneira pontual ao redor do país, tanto nos espaços de ensino formais como nos não formais", conclui.

FREIRE, Paulo. Cartilha de Educação Popular. 2.ed. São Paulo, Equipe Todos Irmãos,

1985; In Economia Popular Solidária: Que Mundo Estamos Construindo?, disponível em: bit.ly/Lygt5k
 
Extraído da pré-Univesp

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